Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Carlos Drummond de Andrade
Quarta-feira de cinzas, e passado o carnaval, algo neste post, tinha que ser de carnaval, esta época de embriaguez nacional, surto de felicidade territorial! Não, nada contra! É válido que uma vez por ano as pessoas coloquem suas “personas felizes” nos corpos e caras e pulem para comemorar o simples fato de estarem vivas ou suas pequenas conquistas cotidianas pessoais. É lógico que, como tudo nestes tempos, vendo por olhos televisos tudo parece imenso demais, cansativo demais, enjoativo demais, cliché demais. Nos meus desejos e possibilidades, não sou daquelas que quer se afugentar em um lugar deserto longe de tudo e todos maldizendo a festa mundana de peitos e bundas. Não! Acho mesmo lindas aquelas mulatas esculturais sambando entre brilhos e plumas. Quando as vi pela primeira vez ao vivo, foi a mesma emoção de ver as dançarinas de tango em Buenos Aires ou as de Flamenco em Madrid, por isto, tenho vontade de ver e ouvir o carnaval do Rio das escolas e também tenho vontade de escutar o som da Timbalada na Bahia, do maracatu em Recife, dos bonecos e marchinhas em Olinda e os blocos de rua em Ouro Preto.
Então, falo sobre o carnaval, digo que sou esquerda liberal e coloquei um verso do Drummond para começar o post. Quanta confusão! Pareço confusa?
Vamos lá, sinto-me com as emoções diferentes depois que descobri a doença. Têm dias que o stress de um problema ou de algo acontecido, algo pequeno, me deixa até na cama. E têm coisas que em outras épocas me deixariam muito triste ou preocupada, não me causam qualquer sentimento, meio que pequeno que nem percebo. E como disse o blogueiro Tadeu: “estranho que algo mexe conosco e ficamos muito mais emotivos(seja raiva ou tristeza), pra você ter uma noção, lágrimas correram comigo assistindo Globo Reporter”. É sim, é assim que também me sinto, a “Flor-da-pele”.
As vezes choro um choro estranho, como nunca chorei uma mistura de felicidade por poder estar viva e algo como reviver o medo de não estar viva e bem. Não dá para explicar, alguém pode explicar? A maioria das lágrimas que saem dos olhos são estas…
E sim, em épocas de carnaval, chorei e me emocionei com Neguinho da Beija-flor, um grande homem com aquela aparência de forte e leão, chorando em todas as vezes que o entrevistaram. Não pensem que gosto do circo e sensacionalismo que a mídia faz para nos comover, para levar sentimentos superficiais a comoção nacional e formar um inconsciente coletivo manipulável e em outras épocas criticaria as reportagens, mas, estando no mesmo time do Neguinho, eu ENTENDI completamente aquele choro, chorei com ele! E, mais que isto, entendi a força que ele teve em cantar sob os holofotes do verão carioca para a massa sambante na pista carnavalesca. (Pois é, eu nem devia dizer, mas….)
Outro caso que me chamou a atenção nestes últimos dias, foi a entrevista do José de Alencar aos repórteres na saída do hospital. (Nem devia dizer mas, esta lua…). Então, explicando novamente sou de esquerda, na época que era “petista”, nunca engoli José de Alencar e sua aliança com o eternamente presidenciável Lula, suas internações em decorrência do cancêr sempre me passaram desapercebidas ou vinham com algum comentário impróprio para o horário e local… Mas, desta vez, jogando no mesmo time, ouvi com outros olhos as palavras ditas na entrevista depois de uma cirurgia de 18 horas para retirada de tumores e a saída do hospital fazendo questao de ir até o carro andando, sem o uso das cadeiras de rodas.
Suas palavras me chamaram a atençao e lembrei dos incentivos e comentários dos meus conhecidos e amigos. Sempre falam da minha força e da minha vontade viver, eu digo, não é nada demais, é apenas senso de sobrevivência!
"Onde está a coragem para um cidadão que não tem alternativa? Enfrentar a cirurgia não foi coragem, mas uma decisão única”, foram estas suas palavras e que casam com este sentimento instintivo que temos e que precisamos colocar em prova todos os dias.
Procurei ajuda espiritual, assim que soube do diagnóstico, e nunca mais esqueci das palavras das pessoas que me acolheram em sua sabedoria, e eles me disseram para lutar a cada dia sem se importar com outras coisas, lutar e saborear cada vitória no tratamento e enfrentar tudo que viesse, do mais suportável ou mais insuportável e se o fim de tudo fosse a morte, bem, que estivesse preparada para ela também. Por isto quando rezo, peço, para Deus, força e paciência para enfrentar tudo com dignidade e quando termino repito como um mantra “CONFIO E ESPERO EM VÓS”. Assim, José de Alencar, na sua sabedoria de um homem de setenta e sete dias, sendo de direita e conservador, bradou: "Não temo a morte. Peço a Deus que não me dê um dia a mais de vida se eu não puder me orgulhar desse dia."
Nesta quarta-feira de cinzas, ressaca de carnaval “não pulado” , começo de um período de reflexão em Jesus, de renovação espiritual em penitencias, dia em que fiz minha penúltima sessão de quimioterapia, me senti como um “bêbado e um equilibrista” do João Bosco , no fim da folia, dançando na corda bamba de sombrinha e trazendo a esperança equilibrista que sabe que o show de todo artista tem que continuar!