quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Começo por ser no passado e o futuro pode ser ontem?



Hoje ao colocar a primeira garfada de um almoço caseiro , simples e feito com amor ( do jeito que eu mais gosto) na boca, a palavra “quimio” veio a tona na conversa em volta a mesa. Pronto, a comida ficou com aquele gosto de isopor e um enjoo insuportável já veio ao corpo instantaneamente…

É respirar fundo e mentalizar que está tudo no passado.

Ficou em um passado contabilizado em 7 meses mais ou menos , porque não comemoro seu aniversário mês a mês, o fim da quimioterapia a cada dia é mais e mais o passado que passei por um câncer.

Neste tempo , as marcas físicas são poucas. Ainda evito tomar sol e estou acima do peso. Ainda não sei qual o motivo ou a junção de todos: o inchaço pelo descontrole de hormonal e no sistema linfático, a falta de exercício físico, sentir novamente prazer no gosto dos alimentos ou a vontade de ter todos os prazeres da vida, inclusive o de se entupir com um bolo de laranja com calda e café em volta da mesa com um bom papo!

Por algum tempo também senti dores no peito, o que me fizeram procurar um cardiologista porque fiquei pensando que poderia estar com danos da quimio no miocárdio. Nada disto, meu coração e sistema circulatório estão ótimos! Perdi muito da minha resistência física, mas, fiquei por longos meses em uma vida sedentária ingrata!

Ainda sinto enjoo de alguns alimentos, por exemplo sorvete e frutas em geral. Das frutas faço um sacrifício danado para todos os dias comer pela manha com cereais, mel, Kinoa ou linhaça, mas, a associação com a fase da quimio ainda é grande!

Os enjoos voltam com frequência, principalmente quando lembro da quimio, vivo situações que faz lembrar algum sofrimento da época ou quando fico nervosa com algo.
Meu cabelo esta crescendo rápido, já voltaram a ser loiros a meses! Eles nasceram enrolados, algo que sempre foi o sonho da minha vida, mas, estavam desalinhados e nesta semana fiz o meu primeiro super corte!

Ainda não me acostumei com minha nova aparência, quase não me reconheço em alguns momentos. Ainda não sei o que é. Minha pele esta bonita, meus olhos estão com vida. Mas, algo mudou! É como se tivesse envelhecido ou amadurecido, a minha aparência de moça, foi trocada por de uma mulher. As vezes acho que é por causa dos kilinhos a mais. Não sei. Ou porque realmente o amadurecimento que o sofrimento me causou interiormente esteja refletido na minha aparência externa!

Sim, isto me incomoda. Mas, ainda não sei se preciso realmente me acostumar com isto ou se posso voltar a ser a mesma Renata de antes.

A cobrança por levar uma vida saudável é grande. A cobrança por estar sempre comendo bem, relacionando bem, sentindo bem, vivendo bem é GRANDE…… É como uma batalha e que qualquer escorregão fosse perder a guerra contra a volta da doença.
Voltar ao meu cotidiano não vou uma tarefa muito fácil, existe planos de viver intensamente, mas, quando se volta… Existe planos que foram deixados inabados, outros adiados e tudo fica confuso, o que fazer: recomeçar ou retomar sonhos antigos?

Estive como uma pista de patinação, sem saber patinar! Não conseguia resolver as coisas pequenas e corriqueiras, lenta, com uma memória péssima e aos erros atribuindo sempre , a DOENÇA. Perdida em coisas subjetivas, mas, também nas objetivas, como organizar finanças, planejar minha vida sentimental e minhas gavetas. Podia ter ficado triste com isto, mas, não, em um primeiro momento a força e a autoestima de ter superado a dificuldade maior da minha vida fez com que nada tivesse importância, somente, a certeza intensa que tudo iria dar certo.
Depois, um vazio intenso se instalou e comecei a me sentir como uma gigante dormindo com os pés para fora em uma cama pequena. Não conseguia adaptar minha nova concepção de vida, com o que sobrou da minha vida de antes da doença. Queria uma mudança radical, mas, faltou forças! Faltou psicológico! Sobrou gelo na pista.

Fui invadida por um profundo sentimento de tristeza e impotência. Da qual não quero descrever ou reviver neste texto.

Até cheguei a procurar ajuda profissional , mas, respirei fundo, me entreguei a felicidade diária de estar com quem eu amo e me deixei levar simplesmente ao presente e a resposta foi: PACIENCIA!

É preciso paciência, paciência para se encontrar, para descobrir o que realmente mudou , o que realmente tem importância e a partir disto: o que fazer do futuro.
Sim, a minha vontade era de pegar meus havaianas, meus shortinhos, meus livros e cds e me esconder em uma cidade na beira da praia e viver contemplando a natureza. E então, se nada me impendia de fazer isto, por que não fazia?
O NÃO FAZER gerou um sentimento geral de frustração que só foi curado com a paciência que conquistei.

Aos poucos a minha vida profissional entra nos eixos, aos poucos estou delimitando as mudanças que quero na vida e vou sedimentando uma grande virada!

Para extravasar a ansiedade, a minha energia em excesso e minha inclinação pulsante pela arte e conhecimento, estou desenvolvendo trabalhos manuais lindos (http://renatiando.blogspot.com/), que além de renderem elogios, momentos de trabalho prazerosos, renderam também retorno financeiro.

Não tenho mágoa, não tenho raiva, não tenho pena de mim, não tenho qualquer sentimento ruim em relação ao câncer, nada! É somente algo que tive que passar, assim como outras pessoas passam por outras doenças físicas e psicológicas, outras, por perdas sentimentais, outras, convivem com sentimentos ruins que elas mesmo criam diariamente… Eu passei por câncer, mas, também passei até agora por momentos incríveis, com pessoas a volta que sempre me amaram!

Dos momentos em que tive medo de não viver mais só guardo comigo o meu crescimento espiritual e sentimental. De ver a vida como ela é, sem dramas, sem ufanismos, sem ideologias baratas, sem romantismo superficial, sem frases de efeito ou clichés alienantes. A vida, a frente, um longo caminho delicioso de ser percorrido seja qual for o destino final.